Proposta 2 -PARA ONDE VAMOS?
Estamos vivendo a Complexidade, visão de mundo causada pela descoberta dos buracos negros e que sucedeu a visão plurissistêmica contemporânea , a heliocêntrica moderna, a geocêntrica antiga e medieval e a mais primitiva de todas: a plana, típica da pré-história e do nomadismo humano.
As cosmogonias ou visões de mundo são desencadeadas por descobertas importantes e funcionam como motor para as novas gerações que renovam as sociedades. São ela que impulsionam os artistas, pensadores, pesquisadores, líderes e principalmente os empreendedores. São os visionários, provadores de inquietações e que tanto incomodam os reacionários e conservadores, sempre assustados e incapazes de ler e compreender as transformações.
Atualmente vivemos novo momento dialético da história da humanidade, um conflito entre gerações antagônicas: uma destemida, curiosa e que precisa avançar para novas experiências e descobertas; e outra temerosa, supersticiosa, apegada aos conceitos estabelecidos e se sente ameaçada e desconfortável diante da necessidade de novas descobertas. Enquanto milhares de pessoas permanecem temerosas e estagnadas, outras milhares buscam um novo sentido para suas vidas e rompem as amarras do medo para desafiar essa estagnação.
A ANGUSTIOSA MUDANÇA DE RUMOS
A recente geração 2.000, filhos de pais inseguros e indecisos, impactados pelas mudanças da era digital, produziu uma multidão de jovens apavorados com o futuro e cultuadores dogmáticos do passado. Mas nem todos são assim. E desafiam a Era da Incerteza.
Minha filha, Verônica, quando fez 15 anos e iniciou o ensino médio já manifestava aquela ansiedade que toma conta dos jovens pré-universitários de não saberem o que irão fazer da vida. Tentava tranquilizá-la dizendo que ainda era cedo para esse tipo de preocupação. Entretanto, sempre me pegava dando a ela sugestões sobre cursos e carreiras. Ela achava engraçado porque percebia que não era somente ela que estava confusa e intranquila. Então eu dizia: “Relaxa, ainda tem muito tempo para escolher”. E ela respondia: “Tá bom... Relaxa você também”.
Sempre que isso acontecia sabíamos que a melhor solução era fazer uma caminhada e depois procurar uma atividade artística para aliviar as tensões mentais e tranquilizar os nossos espíritos cheios de ansiedade. Geralmente víamos um filme, falávamos ou líamos trechos de algum livro. No seu aniversário de quinze anos dei a ela uma máquina fotográfica digital, embora ela quisesse uma máquina analógica para revelar os filmes químicos, como se fazia no século passado. O sonho dela era ter um gravador de fita cassete e uma câmera de foto instantânea Polaroid ou uma daquelas antigas que parecem uma pequena caixa. Aquilo que vivi como tecnologia avançada na minha infância e adolescência tornou-se para ela culto de nostalgia e preciosa peça de museu.
Para ler o mundo. Verônica exercitando o olhar pela fotografia digital.
Mas a câmara digital ajudou muito. Não comprei com a intenção de transformá-la numa fotógrafa profissional, mas a fotografia foi uma atividade lúdica e artística que me ajudou muito na juventude e pensei que poderia ajudá-la de alguma forma e ajudou. Saímos para muitos lugares e registramos imagens sobre muitas coisas interessantes. Ela com uma máquina Canon e eu com um celular Sansung. Os registros serviram como diversão e pretexto para pensar sobre muitas coisas que já aconteceram, que acontecem e que poderão acontecer. Eu não me tornei fotógrafo, mas a fotografia me encaminhou para a História e depois para a Educação, duas ciências-chave para compreender mudanças. Queria ser jornalista, mas sabia que esta atividade não seria muito adequada para mim. Temia a instabilidade do jornalismo e da comunicação como profissão. A fotografia, pensei, pode nos ajudar a fazer descobertas. Fazendo fotos encontraremos muitas respostas e descobriremos outros caminhos e rumos.
Janela de quarto de hotel em Belo Horizonte –MG. Verônica fotografa o desconhecido e tenta imaginar o futuro.
Da última vez que Verônica que tocou no assunto “futuro” não foi de forma direta como das outras vezes. Prevendo minha insegurança e uma possível reação negativa e pessimista, dessa vez ela sugeriu que assistíssemos uma série documental do Netflix sobre profissionais do design. No começo torci o nariz porque não percebi a intenção dela. Ela já tinha visto três desses documentários da série. Quando assisti ao primeiro, caiu a ficha. São biografias de celebridades profissionais, com um enfoque e narrativa diferentes, mostrando o percurso das escolhas que eles fizeram. Todos são designers, de diversos segmentos, porém as suas trajetórias foram diferentes por causa das escolhas e decisões que fizeram. Isso acontece praticamente em todas as profissões e serve para conhecer e avaliar todas as carreiras. Sacada de cineasta e documentarista. É claro que lembrei da nossa opção provisória pela fotografia.
A série da Netlix sobre designers não foi a solução e não resolveu diretamente o problema das escolhas e decisões profissionais, porém ensinou muito sobre como se comportar diante das coisas desafiadoras, incluindo o que fazer da vida, escolher um curso universitário e uma profissão definitiva.
A EDUCAÇÃO NÃO DEVERIA MUDAR TAMBÉM?
Os jovens estão sempre atormentados pela busca de uma profissão e antes disso pela obrigação social de tomar uma grave decisão e fazer a escolha de fazer um superior.
Que faculdade devo fazer se não tenho a mínima ideia do eu quero ser?
A dúvida persiste quando eles ingressam nos cursos e se sentem perdidos ou então desolados ao descobrirem que fizeram a escolha errada. Muito adultos passam pela mesma angustia quando percebem que precisam mudar de carreira.
Por que os processos seletivos educacionais querem selecionar os melhores se os melhores não precisam de educação? Educação não é para os piores?
(Dúvida da minha filha, durante uma das nossas caminhadas)
Respondi que sempre pensei assim: alunos inteligentes e educados não precisam de educação nem de ensino. Eles aprendem e se educam por si mesmos; e só estão nas escolas para satisfazer a preocupação das famílias e o ego de alguns educadores que pensam e se iludem que vão ter alguma influência sobre eles.
Como todos os outros, o sistema educacional não existe para os alunos e sim para satisfazer a própria necessidade operacional do mesmo. Por isso eles têm essa cultura seletiva de alunos "bons ou fortes", o que, por efeito, elimina os alunos “ruins ou fracos”. Mas os sistemas também competem entre si e o sistema educacional não é tão bom de competição como os demais. Ele é conservador e resistente à mudanças. Se isola do mercado e se protege com uma legislação própria e com um tipo de competição interna autodestruidora. Deveria ser o contrário.
Outra causa dessa ineficiência é que ele geralmente é composto por pessoas que não são competitivas e vieram para o magistério exatamente por causa dessa aversão à cultura competitiva da sociedade de consumo. Muitos até foram bons alunos, mas não se tornaram profissionais competitivos no mercado como químicos, engenheiros, advogados, administradores, etc. É aquela velha história de Demóstenes, excelente treinador de oratória na Grécia antiga, que era gago e franzino. “Eu afio, mas nem sempre corto”, dizia para os que desconfiavam das suas habilidades de treinar. É o que acontece também com jogadores e atletas medíocres e que se tornam bons técnicos e impulsionam campeões.
É público e notório que o sistema educacional vive uma longa e tenebrosa crise existencial e não tem sido tão bom quanto os demais. Tenta sobreviver de todas as formas possíveis.
É bom lembrar que estamos falando insistentemente de educação e ensino porque este setor funciona como um termômetro das crises sociais mais profundas. Nas escolas, por causa das pesquisas e do debate permanente sobre o conhecimento, é possível enxergar a origem das crises e também as possíveis soluções.
EDUCAÇÃO SIMPLES E ENSINO COMPACTO
Nossa educação ainda agoniza no enciclopedismo, surgido na renascença e no iluminismo. Diante de tantas novidades, nessas duas épocas históricas, os inseguros e que não compreendiam a natureza do conhecimento e suas dimensões, queriam guardá-lo em caixas de organização, pastas, arquivos, enfim conteúdos que passaram a ser chamados de “matérias”. Material escrito de acumulação quantitativa. Os volumes se sucederam em múltiplos formatos e tê-los guardados e protegidos passou a ser sinônimo de riqueza material. O livro e seu formato octavo, criado por Aldus Manúnzio e que tornou-se o símbolo e o meio dominante dessa acumulação, que preenchia os antigos anseios de preservação dos conteúdos, já tem mais de 500 anos de vida plana. Muitos ainda acham que a leitura e o consumo de livros, em franco desaparecimento, vai causar algum dano na cultura e na educação. Bobagem. O livro físico morreu e o seu formato digital é só uma tentativa inútil de ressuscitá-lo. O mesmo aconteceu com os rolos químicos de filmes, com os discos de vinil, com as fitas sonoras, com o CD e o DVD, com a máquina de datilografar, com a ficha de orelhão. E também com a sala de aula.
O receio de não poder armazenar e de perder informações sempre surgem como uma paranoia nos períodos de ruptura do conhecimento. Poucos absorvem a essência dessas mudanças e a maioria se perde nos volumes e redemoinhos de superficialidades, repetições e reproduções, que acabam se desgastando, massificando e perdendo valor.
Quando inventaram os arquivos digitais, a grande preocupação era aumentar a capacidade de armazenamento. Era uma necessidade mercadológica que foi confundida com uma necessidade tecnológica. O mundo industrial e analógico não entedia o novo digital e queria processar o analógico no digital. Inventaram até a teoria da 4ª Revolução Industrial, pois não perceberam (ou não aceitavam) que o mundo industrial havia morrido, junto com a concepção mecanicista da física de Newton.
O ensino e a educação sofre desse problema gravíssimo de incongruência mental. Quer armazenar , repetir e reproduzir coisas que não são mais necessárias. Até os analfabetos sobrevivem no mundo digital e as escolas ainda sofrem com a morte do analógico.
O mundo analógico dos currículos tinha valor, nexo, durabilidade de longa permanência. No digital eles apodrecem, como as informações, e entram rapidamente em condição de obsolescência.
Mas os sistemas de ensino insistem nessa “tecla” analógica e não compreendem que a apropriação do conhecimento não depende mais dessas ferramentas conteudistas, volumosas e dependentes da transmissão docente.
O mundo discente é inversamente proporcional do docente. É a relação ensino-aprendizagem, que há muito se perdeu na unilateralidade. Não há diálogo e compatibilidade.
Não se oferece respostas para perguntas que não foram feitas. Esse é o princípio da educação clássica. A curiosidade ainda é o grande princípio do ensino e da aprendizagem. Um dia aprendemos como isso funciona por que sistematizamos o processo, que era natural. Perdemos o senso filosófico educativo. Insistimos na hipervalorização das respostas e desprezamos a importância da dúvida e das perguntas.
Mesmo lidando com as ideias das práticas norteadoras, que são um avanço no ensino, insistimos nos modelos e processos acumulativos, nos registros documentais, na burocracia supostamente avaliadora e qualitativa, visando a certificação. Outra bobagem ilusória ou mal-intencionada.
E finalmente, diplomar não é mais um verbo educador e formativo. Avaliar não poder ser mais importante do que aprender. Nunca. É uma inversão de valores e processos.
Mesmo vivendo a complexidade, uma realidade que não tem mais volta, marcada pela incerteza, não podemos confundir esse novo paradigma com as complicações metodológicas. Complexidade não complicação. Cada vez menos vamos precisar de métodos e cada vez mais vamos suprir esse vazio com práticas e vivências, quase sempre simples e compactas. Vamos pulando as teses, as antíteses e vamos direto ao ponto de mutação: a síntese.